quarta-feira, junho 15, 2011

Sintra II

O que é que muda o que tu pensas? O que eu faço? O que eu digo? E eu? Mudo-te? E o que eu sou? O que é que te faz mudar? Ficar é mudar, quando se trata do tempo. Crescemos e envelhecemos e vemos os nossos pais envelhecer. Amigos, ir. Mas ficas. O que é que te muda?

Eu estou a ser tudo o que tu queres. Tudo o que tu precisas. Sou o que desejas e revejo-me e conheço-me dentro dos teus olhos. Dou-te, para além de mim, outros olhos para ver o que tu és realmente. Outras mãos para moldar a realidade, outros dedos para a tocar, outros braços para a abraçar, outro cérebro para a reinventar.

É este o nosso jardim. Passado, presente, sonho. Porque quero ter sempre a minha mão ao pé da tua. Mas a melhor parte do nosso jardim não é essa. É o nevoeiro... O nevoeiro e a neblina e o orvalho que são vida e mística destas flores e destas árvores e de todos estes bichos e plantas. O nevoeiro que é real na certeza de que não nos compete saber os tempos nem os momentos. O nevoeiro que só pode dar vontade de investir, de querer fazer sempre o melhor.

O jardineiro muda, ao ficar para cuidar. Mas o que é que o muda?...

terça-feira, junho 14, 2011

Sintra

Apareces tão pouco nos meus sonhos

que quando os sonho chego a ter saudades tuas.

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Entretanto tu és a mesma e continuas

a pôr cravos e rosas ao pé do meu retrato,

e idealizar uma casa ao rés das ondas

(mal pensas nela, riem nos teus ouvidos nossos filhos)

e a fazer da Vida precisamente a ideia

que fizeste de mim desde a primeira hora.

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Era assim, boa e simples, que antigamente chegavas aos meus sonhos.

E como eu, pela minha, calculava a tua pressa,

fazia-te chegar rosada e ofegante, exausta de correr

da tua porta à porta da minha fantasia.

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O tempo era o das flores...

E tu colheras uma no caminho e vinhas dá-la

ao maior e melhor de todos os poetas.

Eu fingia fingir acreditar no que de mim julgavas,

e era já acordado que beijava as tuas mãos,

pois desceras comigo do sonho e à minha volta

o estremecer alegre e o perfume suavíssimo do ar

e um silêncio igualzinho ao que se faz quando te calas

eram a tua presença verdadeira...

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Por que não vens agora?

Todo o tempo é o tempo das flores, para os poetas...

E tu pensas de mim o que pensaste sempre

e bordas nos lençóis as nossas iniciais.

Por que não vens?

Chegarias ainda rosada e ofegante.

Não virias molhar de lágrimas os meus sonhos,

porque não sabes nada... Nem sequer

que até esqueci a cor e o corte do vestido

que tu estreaste (há quantas Primaveras?)

no último sonho em que sonhei contigo...

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Sebastião da Gama
Campo Aberto