terça-feira, dezembro 14, 2010

Anjos e Magos

É incrível. Era preciso estarem lá, para que vos explicasse.

Há sempre uma parte do texto que ainda não tínhamos ouvido. Pelo menos, não assim. Há sempre algures no texto qualquer coisa especialmente para nós. Há sempre um pormenor, uma palavra, uma expressão facial que nos toca, ou nos faz rir, como ainda não tinha feito nos espectáculos ou ensaios anteriores. É incrível como nós, ouvindo tudo pela 600ª vez, voltamos a sorrir, voltamos a gritar ou a chorar. Voltamos a vir cansados, despenteados pelo mundo lá fora, hoje mais vulneráveis ou mais irritados, e ainda assim tudo se repete: as falas e o choque, as gargalhadas e as palmas, bem como tudo o que temos de fazer para que a mensagem passe: quer estejamos bem ou mal, aflitinhos ou com sono. Tudo para que Alguém nasça algures no público, de todas as vezes.

Incrível como nós, todos tão diferentes, ficamos todos imóveis, espectantes, atrás dos panos, na mesma parte do teatro que já todos sabemos de cor, como se tambem nós o fizéssemos, como se colectivamente nos apaixonasse aquele gesto pela primeira vez. E as pessoas vêem. Vêm, aplaudem, vão embora. Às vezes voltam no dia seguinte. Vêem três homens milimetricamente ajoelhados num chão de azulejos, umas roupas estranhas, dois anjos, um cenário. Não vêm a multidão escondida, sentada e sobretudo de pé, desorganizada e espectante.

Não vêem o senhor que a todos cativou. Aquele senhor pequenino, já velhinho, com uma pronúncia estranha, que a todos conhece sem que ninguém saiba - porque não é preciso saber. Aquele senhor que guarda e cuida um génio, condignamente, humildemente. Aquele senhor que sonhou e montou e passou. Que não chegou atrasado, nem parte cedo de mais. Aquele senhor que também foi São José, que também foi Anjo, que tambem foi Casimiro, que também foi Caifás e Pedro e Judas, e o cego de nascença. Que observa, que ama assim como ele sabe. Que, a cada vez que o procurámos, nos ensinou a cultura, a alegria, o temor, mas sobretudo, a simplicidade de Deus.

Anjos e Magos ainda em cena, 18 e 19 de Dezembro, nas Patameiras.

quarta-feira, novembro 17, 2010

Azuki-Chan. :)

Alguém sonhou que o Facebook era esvaziado de "faces" e invadido por recordações de infância. A ideia passou; é o Facebook!
Pus-me a procurar pelos desenhos animados que passaram em Portugal na década de 90, e descobri uma montanha de bonecos que marcaram (bem, mais ou menos!) a minha infância. Mas não encontro alguns dos meus preferidos!
Eu era uma pessoa que se levantava às seis da manhã para ver a abertura da emissão. Nem que ficasse séculos a olhar para aquelas riscas às cores, eu ficava sossogadinha no imenso sofá da sala (na altura, sim, era um sofá imenso onde me afundava) a olhar para uma imagem estática à espera dos desenhos animados.
Alguém se lembra de uma série que se passava numa cidade repleta de seres de todas as cores que eram bolas com cara e pernas? Todos os seus nomes começavam por senhor ou senhora. Eu adoraaava aquilo, mas não consigo encontrar na net... Não encontrei muitos outros, de que já esqueci os nomes. Não os encontro...são recordações que não concretizo.
Engraçado como uma ideia de alguém no Facebook nos traz uma viagem tão íntima. Engraçado como as nossas viagens tão nossas, são ao mesmo tempo em parte partilhadas por toda uma geração. Engraçado como em algumas coisas, sem querer, nos vemos situados no tempo com precisão.

segunda-feira, novembro 15, 2010

312

Faltas tu. Faltas sempre tu.
Conhecer-me-ás, ainda? Tu conheces-me.
És um eu tão cá de dentro que o teu nome só faz sentido para os outros. Um nome que só faz sentido por fora, por si. Não por ti. Eu...eu sou tu. És-me num cantinho, quentinho, com cheiro a remédios. Com camas altas e janelas e cadeiras que rodam e sobem e descem. E sofás de cambalhota. Um cantinho que por existir faz com que eu ate pareça uma pessoa. Com qualquer coisa viva. Qualquer lume, qualquer bicho, qualquer alegria de..continuar.
É estúpido. Mas, por hoje, é só isso que temos. É que continuas. Gostava de lembrar-te que...continuar é bom. É mau, mas hoje é quase tudo. Gostava que soubesses que faltas. Só falta quem está. Quem é nós. Em quem nos deixámos.
Deixei-te-me. Vive-nos.

domingo, outubro 24, 2010

O grupo.

Um retrato de uma mulher empedernida, em cima da lareira. Impenetrável. Espantosa. Bocados de tinta descansam em paz na porcelana de uma lindíssima e aterrorizadora face.
A casa respira ao ritmo do leve ruge ruge de uma portada esquecida, de uma ripa do chão que se espreguiça, de uma porta que balança: de cá para lá; de lá, para cá: de cá para cá.
, completamente só, jaz o morto à meia luz de uma lua que se escapa por entre as frinchas da janela. O candeeiro, lá fora, antiquíssimo e belo, morreu há muito tempo, desgostoso. Não era a gargalhada estrondosa e cheia que fazia as paredes tremer, nem a cumplicidade sofrida ou a faculdade de doar que deixavam aquele cheiro. Não era o respeito, nem o silêncio construído a trinta e quatro mãos que pintavam, ainda no ar, cada nota do piano. Era o próprio ser. Era em si mesmo alegre, em si mesmo santo, em si mesmo dom. Perfeito...
Um retrato de uma mulher empedernida, em cima da lareira. Impenetrável. Espantosa. Se hoje alguém comungar do leve ruge ruge dos candelabros e reposteiros à moda passada, do cheio ao tempo que não passa (e que não traz rugas à fina procelana), e às longas bancadas de cozinha, olha-a e não a vê. Não sente, nunca, o podre morto jazido. Mas ela fica. Erigida muito acima das nuvens, a fortaleza permanece sempre. O morto, pura e simplesmente, desapareceu.

segunda-feira, outubro 18, 2010

Convicção.

Eu sou um jardim. Como tu.
Como todos os jardins, eu sou ar, fauna, chão e bichos pequeninos.
E há um jardineiro.
Viver no meu jardim, sê-lo...é uma escolha que faço todos os dias. E deixar que venha o jardineiro mais as suas tesouras e enxadas é uma outra escolha, que também faço todos os dias. Com convicção.
Tu não habitas os jardins do meu silêncio, mas eu conheço-te quando me conheço a mim, e ao meu jardineiro. Posso ser-te também, e assim dói-te menos. Eu só quero que tu floresças o Outono! O jardineiro existe sempre, ele leva as folhas. Vai-se esquecendo de uma, de outra, para que tu lhes ames a cor. E não te preocupes...ele existe mesmo. Com convicção.

quinta-feira, outubro 07, 2010

primeiro Outono

Não posso fingir que não tenho esta necessidade.
Há dias em que não dá para fingir que não és tu.
É o primeiro Outono. O meu cão, a minha cã, a Cusca não está cá.
Não está.
As gotas caem, os cabelos deixam de secar, a chuva chove, o Panic tem frio.
E o meu cão, a minha cã, a Cusca não está cá.
Os pés começam a enregelar, as pessoas puxam das camisolas (e como todos ficam tão mais bonitos, de camisola!), os ambientes tornam-se húmidos e ninguém abre as janelas para não chover cá dentro...
E o meu cão, a minha cã, a Cusca não está cá.
A minha cama já não está salpicada de pêlos brancos e pretos. Já não tenho aquele ser tão meu em cima dos meus pés, encostado às minhas pernas, abraçado na minha posição fetal.
As gotas caem, a chuva chove. Em breve chegam as trovoadas.
O meu cão, a minha cã, a Cusca...não existe.
Para nos ensinar que todos os Outonos são o primeiro.

terça-feira, setembro 21, 2010

Quando eu for grande quero ser camionista.

Descobri que há algo entre os peregrinos e os camionistas. Está lá, de facto; é inegável.
Talvez um, ao olhar o outro, se reveja nele. Talvez se veja ao espelho, veja alguém igual a si. Na solidão de cada quilómetro e na dor de conduzir o que lhe foi confiado. Na dúvida de conseguir matar mais a necessidade de parar, e depois no aborrecimento de ter de o fazer. Ambos fazem caminho, e caminho fazendo alcançam objectivos. E recebem cada qual o que lhes compete. Cruzam-se na estrada e saúdam-se. Cada um como tem, como é, diz. Qualquer coisa. E naquele segundo...o caminho é a vida que queremos ser. Os ténis não passam a ser pantufas, nem as bolhas um pesadelo distante. Mas tu és o meu camionista e eu sou o teu peregrino.
Claro que só quem peregrina sabe do que falo. Mas creio que há sempre um camionista para cada peregrino.

sexta-feira, setembro 03, 2010

Nome e definição

De sonhos, de receitas, de compras, de filmes, de livros, de moradas, de nomes completos, de emoções, de qualidades, de valores, de silêncios, de post-its, de chás, de casas, de palavras preferidas, de fotos, de músicas, de poemas, de autores, de lugares, de coisas que me lembro, de bilhetes, de refeições de que gosto e de refeições de que não gosto, de pedras, de frases, de slogans, de postais, de anúncios, de aniversários, de prendas de Natal, de afazeres, de genealogias, de salmos, de saldos, de cartas, de notas da escola, de mensagens de texto, de e-mails.
É isso que eu faço. Eu inventario.
Sou um catálogo de inventários, um inventário em mim mesma, e o meu quarto é o meu ovo. Onde tudo cabe, onde tudo se concebe, onde tudo ganha nome e definição. Porque o meu quarto está e é parte do "palácio de meu pai, onde todos os passos têm um sentido".
Um inventário em mutação. Por isso é que me juntei ao ICheckMovies, por isso é que sou geocacher. Para inventariar sítios e descobertas e passeios e histórias e filmes. Eu inventario.
Renato Russo pedia-nos que fizéssemos uma lista de amigos e uma lista de sonhos. Exupéry disse que era bom que tudo fizesse sentido. Há pessoas que gritam. Eu inventario. Mesmo que isso implique escrever num papel tudo o que o meu ovo contém.

quarta-feira, agosto 25, 2010

Fora

Ás vezes, é só o que é preciso.
Pôr a cabeça de fora. Prender o medo aos atacadores e assentar no diafragma. Como...quem come uma lapa pela primeira vez.

sábado, agosto 07, 2010

Eu não ladro quando tenho medo.

Ele disse-o em voz alta. Houve um dia em que foi, assim de rajada. Dói-nos dizer as coisas. Porque saem do sofá pensativo de nós mesmos, onde tudo é uma ideia, para o universo imutável daquilo que já foi dito, já foi feito e já passou. Porque se tornam essa verdade que somos, que respiramos, que doemos.
Apavora-me. Mais que o escuro, bichos e gritos, todos juntos. Tenho medo de não estar ali. De não ter estado antes, ou de poder ter feito melhor. Medo que comece, que acabe. Medo de não ser. De dizer e de não dizer. Medo de não saber escolher as palavras, porque normalmente não sei. Tenho medo de me perder.
De perder a minha pessoa.
Ele ladrou. Mas e eu? Quando vou perder esta batalha?

quarta-feira, julho 21, 2010

[wait for it]

Hoje choveu.

.

E como em todos os dias em que choveu, eu cheguei lá fora e

respirei.

terça-feira, julho 20, 2010

Assim Partiremos

"Partimos. Vamos. Somos."
O Nogui pediu-nos que mostrássemos ao mundo de que é que somos feitos. Então toma, mundo. A nossa convicção de que esta não é a nossa obra, mas a obra de Deus. A nossa vontade de ser onde estamos e ao mesmo tempo chegar mais longe, muito mais longe, tão mais longe. A faculdade que temos de conhecer, quando sabemos que "Nu saí do ventre de minha mãe, e nu voltarei para lá.".
Estamos novatos e não temos experiência. Temos medo e sentimos amor. Já sabemos como funciona mas continuamos sem saber desenvencilhar-nos sozinhos. Mas subimos ao palco e ela está lá. Como em todos os nossos projectos. Vem da entrega, da pequenez. Vem de dentro. Mas é uma luz que está lá sempre.
E sim. Provavelmente, um dia teremos de nos separar das nossas recordações, para podermos estar verdadeiramente mortos, verdadeiramente livres. Mas hoje, especialmente hoje, é tempo de as fazer.

terça-feira, junho 29, 2010

50.

Acaba o ano pastoral. Dão-se contas. Vai um prior embora, e vem um outro. As pessoas morrem. Ou fazem anos. Ou faz anos que morreram. Ou fariam anos de vida se ainda estivessem vivas.
E eu descubro novas possiblidades, novos sítios para explorar, com aquele tempo que acho sempre que não tenho e que sabe tão bem gastar quando é muitíssimo bem gasto. Descubro, até, novos tios. E a melhor parte é que são os mesmos que já cá estavam há 17 anos, mesmo aqui ao pé da mão! E já cá estavam, já para mim, para eu os conhecer, muito antes de eu estar em qualquer lado.
E chego aqui. E apetece-me ralhar com os meus pais, porque nunca me avisaram que o tempo ia ter passado antes de eu saber que ele existia (antes mesmo de eu abrir os olhos!), quando sabiam muito bem que era assim que funcionava. Tanto um como o outro. Avisaram-me que eu ia cair muitas vezes, mas não me disseram que ia haver vezes que doíam mais que outras. E se o mundo fosse como eu acho que devia ser era horrível porque então nunca ninguém podia fazer as pazes, ou arrumar os quartos, ou descobrir pessoas dentro das pessoas, e eu nunca teria sentido a contracção de todos os músculos da minha cara ou um percorrer ácido nos meus pulmões ao abraçar o meu pai. Mas estaria agora a beber chá que sabia a Ice Tea e a comer bolachas de chocolate e a invejar um cabelo invejável.
Embrulham-se, depois de terem doído tudo o que havia para doer. Agora doem só de vez em quando. Vão ficando, mandam uns bitates. Nós vamos sendo. E o tempo...o tempo é como se não existisse, aqui.

segunda-feira, junho 21, 2010

That's what I do.

Porque sim, chegar a casa é isso mesmo: estar, de novo, em casa. E se tu és, de alguma forma, a minha casa, então quando eu lá chegar, assim como a casa continua a sê-lo assim que lá chegamos, também tu vais continuar a sê-lo.
Ela fica no mesmo e exacto sítio onde a deixámos, com tudo no mesmo lugar. Os candeeiros, os sofás, as bolachas, tudo. Até os pêlos dos cães continuam no mesmo centímetro de chão, e as saquetas de chá na mesma prateleira do armário. E porque é uma amizade verdadeira, podes ir e voltar. E a porta por onde podes sempre sair é a porta por onde podes sempre voltar a entrar.
Eu não vou sair daqui.

sábado, maio 29, 2010

segunda-feira, maio 17, 2010

Eu Acredito

Que palavras? Tantas, sobre tanta coisa diferente... Umas mais importantes que outras...é certo. Mas está tudo. Quem tiver dúvidas, que as tire. Não há como viver uma verdade: tem resposta para tudo! Há só que procurar no sítio certo...

terça-feira, maio 04, 2010

vento lisboeta

(assim mais ou menos à Rita)
Estive lá hoje, na Praça do Comércio, a ver os homens trabalhar o altar.
Gostei mesmo. Não porque estivesse bonito, ou o ar cheirasse bem, mas talvez a certeza de que algo grande vai acontecer ali... A sensação de poder, eu, sozinha, estar ali, à espera... Sou cativada de nascença, e anseio, sofro por antecipação, como Exupéry tão bem soube explicar.
Sentei-me lá, no meio da Praça, no chão aos papagaios. E ficámos, eu e o meu caderno, a ver as pessoas, a tentar distinguir o Vasco da Gama do Viriato...e dos outros dois senhores. E o vento lisboeta despenteou-me e vesti a camisola e continuei o meu caminho. Não costumo andar sozinha por sítios que não conheço. Mas Lisboa...sinto que nunca conheci, por muitas vezes que por lá passeie. Nunca sei se é esta rua, ou aquela, ou onde está o multibanco, se é esta a igreja, ou aquela casa, ou se já ali passei ou não. Parece sempre que não. E sorrio, sempre, quando alguém grita para alguém, muito frustradamente, Oh minha Nossa Senhora!... Há coisas que guardamos, quando passamos por elas. Não como se roubássemos uma fruta, mas como se apanhássemos um dente-de-leão no ar e metêssemos no bolso, à espera do lugar ideal para o largar. E do fundo da rua, Oh JAQUIM!! Oh, desculpe, minha senhora. Jaquiiim!...
Respira-se diferentemente. Era um dia como os outros. Mas hoje, especialmente hoje...tinha uma estranha alegria de ser, no esperar, no poder sentar e olhar, no ter dinheiro no bolso e pensar Não vou gastar coisíssima nenhuma., no andar à procura das coisas e sentir que o cansaço não ia vir nunca, enquanto o meu corpo respirasse Lisboa. Uma Lisboa que espera o Vigário do verdadeiro Cristo. E hoje, especialmente hoje, não estava sozinha.
E isso...isso sente-se.

quarta-feira, abril 14, 2010

Com o nariz.

A minha professora de Filosofia ficou boqueaberta quando lhe dissemos o que líamos. Os alunos de Humanidades não lêem?! É como um pintor sem pincéis! Faz como? Com o nariz?!...
Quando há uma proposta, há uma decisão. Em jogo fica o tempo, a energia, o pensamento. A pessoa toda dá-se àquilo que se determina a fazer. Há só que determinar-se, porque o resto chega sempre a tempo. E sai perfeito. Porque não podia ter sido melhor, porque se alguém se determinou a fazer então jogou aquilo que tinha. Estava determinada, possa. E fez-se. Claro que se tivesse sido isto ou aquilo de outra forma, teria sido melhor. Ou pior, não sabemos. Mas foi perfeito, porque o que podia ser feito, fez-se. Há só que determinar-se.
A determinação, a convicção, a convicção verdadeira - pesada, medida, pensada...é sempre, sempre igual a um Faça-se. A um enorme Faça-se que se torna vento e verdade, mesmo que seja um trabalho de História para ontem à tarde. E sobre a peste que assolou o século XVI, e as pessoas mortas apodrecidas dentro de casa em que ninguém queria tocar. A um Faça-se que se Faz, em espírito e verdade, mesmo que seja com o nariz.

terça-feira, abril 06, 2010

Sol da meia-noite

não ha morte sem homem

não sem homem há morte

não há homem sem morte

não sem morte há homem

não sendo homem a morte

não sendo morte o homem

vai sendo o homem a morte

vai sendo morte o homem

falando não a morte

falando não o homem

vai sem homem a morte

vai sem morte o homem

Ernesto

quarta-feira, março 10, 2010

Parte.

Aos cães, quando fazem quimioterapia, não lhes cai o pêlo.
Mas também morrem, sem música e sem faculdade, e sem fecharem os olhos.
Confiam-se aos donos até ao último segundo. Mesmo sabendo, porque eles sabem, mesmo adivinhando, porque eles adivinham, mesmo conhecendo, porque eles conhecem. O dono é sempre o dono, e ele faz tudo por que o cão viva enquanto a vida for vivida. Então, o cão não teme. Pode temer trovoada, guarda-chuvas, harmónicas, cães mais (ou menos) assustadores. Teme que lhe roubem os filhotes, que lhe roubem o dono. Mas do dono não duvida.
Adoecem, mas continuam a proteger a casa com unhas e dentes (sobretudo dentes...). Enfraquecem, mas nunca desistem de tentar guardar as lágrimas entre duas lambidelas. Envelhecem, mas não se esquecem de quem é o dono, qual é a casa, quem é que lá vive, e quando é que ela acaba.
São parte. Quando chegamos, são a primeira parte da casa que chega, e são quem sabe que chegámos ainda antes de termos chamado o elevador. O cão é o pai que recebe o filho pródigo de braços abertos, ou aos saltos, de rabo a abanar com tanta violência que as patas escorregam no chão, língua de fora, a puxar as mangas da camisola. O cão sabe, quando é amado. Percebe e conhece e fala.
E depois morre, sem música nem faculdade, deixando-se cair nos braços de quem o criou.

sábado, março 06, 2010

Mwanito, não me deixe sozinho.

Dói? Sim, sozinhos, dói.
Muito? Pois.
.
Mwana era o afinador de silêncios pessoal de Silvestre Vitalício, seu pai. No silêncio, tudo deixa de doer. Foi o mistério que o irmão Roger soube desvendar ao mundo.

terça-feira, fevereiro 16, 2010

Casa.

Ter uma casa para onde voltar. Uma casa que não passa, não se fecha, não arrefece.
Este é aquele ponto onde há duas ou três cadeias montanhosas de histórias, episódios, alegrias para contar de um fôlego só. Mas chegar, chega, e quem conhece quem chega já teve quanto bastasse. Há qualquer coisa que é nova e de sempre ao mesmo tempo, e que nos aquece o coração. Casa.
É o que fica. É a relva sobre o abismo. É onde todos os passos têm muitos sentidos. A casa não morre, não desfalece. Entristece-se, respira, dorme, mas não desiste nunca. Porque sabe sempre, porque sabe que só assim faz sentido, porque conhece aquele calor que irrompe quando alguém chega.
Uma casa que não passa, não se fecha, não arrefece. Voltar.

sexta-feira, fevereiro 12, 2010

Post-it

Estou gelada. O meu quarto está gelado.
Procuro uma coisa com carácter de urgência. Doem-me as mãos, e mexer os dedos, e pegar nas coisas. Os meus dedos parecem queimados de tão frios.
Tanto frio.
We don't own time, ressoou na minha cabeça. Sim, eu sei, mas queria mesmo encontrar...
Fui. Gelada. No meu mp4, com metade da cara enfiada na gola do casaco.
.
Preso algures, um post-it amarelo.
Preciso de ti.

quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Tempo

É tudo um puzzle mental.
Não uma tabela de prioridades, mas de circunstâncias. Como Ortega, e depois João Manuel, eu e a minha circunstância descrevemos a minha acção, as minhas prioridades, o meu tempo e, consequentemente, o meu sono também. Depende de como o usamos [o tempo de que dispomos], ou de como dele prescindimos., escreveu mac.
Fiz uma tabela bué gira no Excel. A minha semana a direito, com um estudo azul, outro a verde e outro a laranja, reuniões castanhas e tarefas domésticas de um azul mais levezinho. Tempo livre amarelo e escola cinzenta. E ela, a tabela, chora, grita, da parede branca do quarto.
Que é importante o brio, ninguém duvida. Que é essencial respirar, ninguém questiona. Equilíbrio é para os senhores que andam e saltam em cima de cordas. Este é o meu puzzle e ele mostra que a minha ciscunstância se eu não couber não há.
Descobri a enfermidade da minha tabela do Excel. O que é urgente é, e alguém faz. Eu prefiro respirar.

quinta-feira, janeiro 21, 2010

Eu posso tudo.

O grande Hugo dizia que não é nosso, só emprestado. E o Vasquinho dizia Pois e sorria um sorriso graaande e eu ficava a cogitar naquilo até cair para o lado. Caía para o lado porque o sorriso do Vasquinho era mesmo muito grande, tinha covinhas e tudo.
As coisas embrulham-me às cambalhotas, mas eu acho que é tudo uma conspiração porque elas querem que eu pense que sou eu que me embrulho nelas porque não soa muito bem dizer que uma coisa empurrou uma menina que já devia ter juízo.
Não é nosso, tinha dito o grande Hugo com aquele ar tão importante que ele tem.
Quão grande é isto?
Toda a liberdade, toda a responsabilidade, toda a pequenez, toda a alegria...tudo nosso! Saber que um dia vamos poder chegar e dizer Toma com um sorriso grande como os do Vasquinho. Porque não é nosso! Tudo depende do sumo que fazemos com as tintas que nos deram. E este sumo depende obrigatoriamente de saltos, de ares importantes e de pois.
Olhaa, trouxe isto, e isto, e este assim e ... Bem...hum... Toma.
Tudo posso. Assim.

segunda-feira, janeiro 11, 2010

Tristesse.

A tristeza é permitida. Tem de ser.
Tudo há-de ser permitido enquanto circular dentro das fronteiras daquilo que faz sentido no ser. Como a medicina, a educação, a verdade, o amor e a parvoíce e o cotão. O espaço. Um momento. - e depois o resto.
Porque aqui, a reacção não é imperativa. A tristeza não é algo a que se reaja, por ser já uma reacção que paraliza, de alguma maneira, outras reacções.
Mas o resto. A tristeza vem de dentro, e nós vivemos para fora. Permito-me, sim. Há alguém que abraça. Fale ou não, conheça ou não, tudo o que pode fazer é isso. E o resto virá, incólume. Ou nem por isso.
De uma maneira ou de outra, são as linhas com que se cose.

sexta-feira, janeiro 08, 2010

2010

I have this new pijama. From my mom.
It's stripped and black and white and...grey.
There's always this feeling something has to change. Cause one day day tea's cool and we don't even notice anymore. I don' want to have cool tea every morning, but he's there!, and I always figure out a way of not saying a word, so I always keep it, and always know tomorrow he'll be there again. Cooler.
But there's always this feeling we can do something. Actually do something. To change. We know we can do something, almost anything, and many of those things could change it all, but... It's morning. We get to the kitchen. And there he is. Threatning. Ours. Maybe we could...just... Hmpf, I got to run, bye! Like Pablo Neruda's postman's coffee, "Tomo-o sempre amargo".
Have I told you I have this new pijama?
Yeah, my mom bought it for me.
Maybe it wouldn't hurt if I put in on, someday, don't you think?
I thing I saw something red on it. Weird, hug?