quarta-feira, novembro 19, 2014

Empadão de atum

A minha mãe, o meu pai, o meu irmão e a minha avó estão na cozinha a preparar o jantar, e oiço vozes ao longe enquanto tento que o meu computador funcione. Oiço risota na cozinha e aparece a minha mãe à porta do meu quarto.
- Anda cá que a avó diz que eu não tenho nenhuma menina, tenho quatro filhos e todos rapazes. Anda cá mostrar-te.
Digo-lhe que pergunte outra vez antes de ela me ver.
- Então, mãe, quantos filhos é que eu tenho?
- Não sei, uns cinco.
- Isso está um bocado inflaccionado! E quantos são rapazes?
- Três. (Convicta)
- Então tenho duas meninas?
- Sim, uma ou duas.
O meu irmão pergunta
- E como é que ela se chama?
- (voz sumida) ...não sei...
Eu apareço com ar de brincadeira e as mãos na cintura à frente dela, como se fosse ralhar. Ela, corcunda, branquinha, levanta os olhos devagar. Como se pedisse desculpa diz rapidamente
- Ana Margarida. Anda cá...
Puxa-me para si e encosta a cabeça no meu peito. Fico toda torta e faço festinhas nas costas. E ela
- E eu gosto tanto de ti...

quinta-feira, outubro 09, 2014

Abismos habitados

Abismados com a hipótese de não nos termos uns aos outros.
Queremos ter-nos para sempre. Para saber uns dos outros, para sabermos ser sozinhos.
Sem alguma pessoas, não sabemos nada.
Será que os animais sentem a falta uns dos outros?...
A hipótese de um dia a vida continuar sem o meu pai.
As pessoas importam-nos porque é nelas que moramos. É nelas que nos construímos. Podemos fazer coisas, mas mesmo aí é para pessoas. É nelas que nos conhecemos. É nelas que vemos o Criador e é para elas que vivemos, damos, trabalhamos, fazemos, corremos, choramos, nos desarmamos, não compreendemos, e não compreendendo, ficamos.
Quanto de um pai, um colega, um marido, um avô, fica no seu filho, amigo, esposa, neta? Quanto de uma vida toca, muda, ama, cuida, fica noutra?
Vimos do pó e ao pó voltaremos. Sabemo-lo desde sempre! E não muda nada. O que muda, é que somos de Deus. E é só amando até ao fim, entregando até ao fim, sendo família até ao fim, levando Deus em tudo e sempre, que temos eserança.
Redimidos em Cristo, somos parte do seu Corpo. Uns para os outros. Pequenos sinais do amor de Deus pelos seus filhos. Pequenos sóis. Nele, a nossa luz não se apaga nunca.

terça-feira, setembro 02, 2014

Doce de melão com maçã e amêndoas.

Sim, preciso que me aproves.
Duvido do que sei, do que consigo, do que já fiz. Arrisco, decido, escolho, às vezes. Outras prefiro que escolhas por mim.
Não é necessidade, não acredito. Ou pelo menos não completamente. É hábito, é escolha e também é preguiça. Depender de ti é uma escolha. E às vezes é só querer partilhar, o meu objectivo é que me oiças, que me saibas, não que me resolvas.
Mas eu não percebo qual o problema da insegurança. Quem é que não tem medo? Não são os outros que nos validam? Não é essa segurança a que nos permite deixar ser? Corresponder, não é o que procuras? Não se trata de um auto-aniquilar cego para se tornar o outro, mas de ser humilde, absorver o que os outros têm para dar, dar-lhes espaço, entregar-se, partilhar.
É que, no limite, prefiro achar que não sou nada e poder ser que achar que sou e na volta não ser. E sabes, o melão elaborado e intrincado, que parece tão completo, precisa mesmo da maçã simples, ou em vez de doce é caldo.

quinta-feira, junho 05, 2014

Girassóis em azul em cinzento.

Continuo a pensar o que dirias. Quem serias hoje.
Estaco diante de uma campa.
Se tivesses ido para a faculdade de medicina dentária. Se tivesses voltado ao Algarve, acabado o secundário.
As coisas que dirias. Que pensarias. As coisas que hoje te revoltariam. As tuas teorias ser-me-iam agora tão úteis! Pego-lhes com as pontas da memória, viro as páginas com luvas, e releio episódio a episódio, para me lembrar. Para não me esquecer. Para respirar.
Se terias ficado mais bonito com os anos. Ainda mais.
Estaco.
Se tivesses tido oportunidade. Se tivesses podido crescer e ficar.
Os teus sonhos de hoje. As tuas paixões. As tuas aventuras, os teus medos. As tuas conquistas.
Estaco e continuo a ruminar. Mas a verdade é que cogitar nisto me dá vida. Cogitar numa das melhores coisas que já me aconteceram: conhecer-te. Conhecer-te mesmo. E viver depois disso.
...

Parabéns, Xi. Parabéns pela tua vida.

sábado, maio 03, 2014

Porquê o silêncio.

Fazer silêncio nos dias anteriores à Páscoa é a forma mais profunda que já experimentei de viver estes dias.
Em Taizé como na quinta de Cerisiers, Ameugny, onde vivem as raparigas que fazem silêncio, não estamos nem em silêncio completo nem em clausura. Paramos o trabalho que tínhamos durante a semana e apartamo-nos dos nossos amigos. Cessa a atitude comunicativa em direcção aos que me rodeiam para me ficar só na vivência séria, comprometida, da Páscoa.
Isto inclui juntar-me a uma comunidade que está toda em silêncio para as refeições, as introduções bílbicas e, se possível, dormir. Inclui também assumir tarefas simples como a lavagem da loiça ou a limpeza de uma parte da casa. Inclui refeições mais simpáticas, sem grandes filas, com música clássica, flores e passarinhos. Inclui um refill de chá quente a qualquer hora do dia (sim, do melhor chá do mundo). Inclui o acesso a material de escrita, pintura, costura e olaria durante todo o dia, bem como a um jardim imenso que se espreguiça sobre a colina verde a perder de vista.
Mais importante que tudo, faz-me mergulhar na Jerusalém de outros tempos. Ouvir aquelas vozes, sentir aqueles passos. Em Cerisiers ajudam-nos a entrar no círculo dos mais próximos de Jesus. A repetir o que sentiram, a pensar no que pensaram. A Paixão de Nosso Senhor é vivida por cada uma de forma tanto individual como comunitária, de forma dirigida mas livre.
A oração, o tempo, o silêncio e a Bíblia são as nossas armas. Usamo-los como parecemos usá-los desde sempre, como se fosse natural andar calado e abrir a boca quase só para cantar, e cantar rezando. Les Cerisiers muda-nos porque é "natural e justa", porque é nossa sem ser. Porque é uma janela aberta, escancarada, para a nossa vida, e ainda tem flores floridas e lindas, grandes e pequeninas, aguarelas cheias de alma e um chão que canta connosco e com os insectos e os passarinhos. E quando cá, podemos ainda vê-la. E aí, o equilíbrio de lá canta aqui.

terça-feira, abril 08, 2014

Bolachas-dentada de manteiga de amendoim.

Ontem foi dia de amigos. E de sol. E de um gelado. De Lisboa!
Hoje é dia de bolachas, trabalho e uma dor de garganta. Mas uma dor feliz.

PS: Um copo de açúcar, igual em manteiga de amendoim e um ovo. Forno 12 minutos pré-aquecido a 175ºC.

quinta-feira, março 06, 2014

O porto sempre por achar.

Um dia tinha de ser.
Hoje começa a terapia. Hoje começa uma relação de cuidado, de empatia.
Começa a verdadeira tentativa e erro, aquele salto no escuro com dores de barriga e tudo à mistura para depois se descobrir que se está em terra firme, e que o verdadeiro teste afinal não é um monstro. Assombra, mas o assombro é outro e hoje, especialmente hoje, está no porvir.

"Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Porugal, hoje és nevoeiro...

É a hora!"
Fernando Pessoa