Vamos almoçar aqui. Disse ele com uma voz grave, decidida,
como quem decreta. Como quem faz questão. Com aquela voz linda que ele tem.
Gostava de um dia ser tão acolhedora assim. Do alto dos meus
87 anos, receber catraios assim, de braços abertos. Confiar neles,
oferecer-lhes o que tenho. O melhor que tenho.
Ele fica a olhar, sorriso aberto, quase pueril. As montanhas
a perder de vista, o rio que canta debaixo da ponte, ou cada folhinha de uma
hera que se abraça a uma árvore perto. Decifra-os, toca-lhes, examina-os. Conta
histórias, faz sugestões.
Vejo-o num limbo entre a genialidade do homem que conheço de
sempre e um estado semi-demencial, difícil, incerto e em decadência, também.
Olho-o e, nalguns momentos, não consigo deixar de pensar que este homem não vou
voltar a ver, porque mesmo que o veja, estará um bocadinho pior e depois outro bocadinho
pior e... Mais e mais longe do senhor que conheci.
Olho-o e enche-me o coração que me receba sempre assim. Já
comeste? Faz-me sempre ficar. Olho-o e vejo a irmã dele, catraia num corpo
antigo, com o mesmo sonho no rosto ao olhar aquela mesma serra, há anos atrás.
Olho-o e vejo a irmã dele, hoje sombra, hoje dependência, hoje só rasto de algo
já esquecido. Mas também sorriso pueril, dependendo das marés.
Eu vou convosco. Se me quiserem, claro. “Mas tem a certeza?
Não fica cansado?” Ele olha-me por cima dos óculos. “Olhe que assim fico
preocupada…” Ele segue à minha frente.
Muito boa surpresa. Gostei muito que viesses aqui.
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