quinta-feira, novembro 26, 2009

morar

Queria contar-te uma coisa, sabes?... É. Mas para isso preciso de remontar às ervilhas que comi aqui no Verão e que, para desgosto póstumo de Exupéry, me deixaram estragada. Cresci então uma ervilha na barriga. Trago-a comigo, e ela cresce. É uma ervilha estragada – é aquela que me avariou.

Hoje sento-me num canto, mesmo debaixo da estante dos Ésses (Rodrigues dos Santos e Saramago espreguiçavam-se escandalosamente ao longo das prateleiras mais baixas) e colho um Silva. Uma Gota de Chuva, dizia ele. Uma gota de chuva. E só bastou.

No caminho para a continuação da minha gestação, esbarrei com O’Neil, que estava sentado mesmo a seguir à esquina da ala do Camões lírico. Falou-me da vertigem que nós éramos, a vertigem entre o real e o sonho, disse ele, com aquele olhar de quem semeia mas não olha para onde. E já o Vergílio tentou, quando era vizinho, morava no 5º andar, lembro-me tão bem... Falava de relógios e de velhos e coisas do género. Tinha de repetir sempre o que ele dizia para poder perceber ao menos o encadeamento das palavras, até que emudeceu.

Mas só aquela estava estragada. Só aquela me estragou. Só aquela não traguei, tendo deixado de poder tragar. Era intratável. O infame!

É isso. Desculpa. Estou estragada. Um homem morto e desgostoso tem a culpa. Ele é que não arrumou antes de partir, e eu tropecei naquele quarto... Eu farei, a sério que sim. Fazer sempre a cama antes de ir.

5 comentários:

JoanaC. disse...

rapariga tu escreves tão bem, mas tão bem! não sei onde vais buscar o tema, as palavras,os sonhos... mas que o fazes bem, fazes.

Beijinho.

mac disse...

É que nem por isso estava estragada.
Talvez... desarranjada. Ou antes... desintegrada.
É isso.
Estava para ali sem se saber arrumar naquele mundo tão certinho, tão arrumadinho.
um rombo a arrumar-se num mundo de paralelogramos.
Mas eles ajudaram, não foi? (não, não ajudaram a arrumar-se ajudaram a perceber que era bom estar desarrumado. Palermice! Vejam só - arrumar-se...)
E olha - as ervilhas, por muito estragada que de facto esteja, não avaria ninguém. Só quem deixa. Logo, não foi ela que nos avariou - fomos nós que nos avariámos deitando as culpas para cima dela, ok?

mac disse...

O gajas ao poder tem um novo post. radical, não?...

Boop disse...

Não percebi qual foi a ervilha qie te estragou... Ou te desarrumou, como diz a mac...
Mas acho que sei que se tu a perceberes vais fazer um puré de ervilha delicioso! Que vai condimentar outras iguarias que sem puré de ervilha... não sabiam a nada!

E...
Bela biblioteca!
;)

Boop disse...

Podes juntar à tua biblioteca um livro menos pretencioso mas de uma leitura tão agradável: A bruxa de Oz - a história contada de outra prespectiva!

"A Bruxa de Oz conta a história de Elphaba, uma menina de pele verde, insegura, rejeitada tanto pela mãe como pelo pai, um pastor reaccionário. Na escola ela também é desprezada pela sua colega de quarto Galinda, a fada boa do Norte, que só quer saber de coisas fúteis: dinheiro, roupa, jóias. Neste contexto ela descobre que vive num regime opressor, corrupto e responsável pela ruína económica do povo. Elphaba decide, então, lutar contra este poder totalitário, tornando-se a Bruxa Má do Oeste, uma criatura inteligente, susceptível e incompreendida que desafia todas as noções pré-concebidas sobre a natureza do bem e do mal."

Não me lembro de quem é... mas será facil de descobrir!