Um blog acerca da concordância entre o pensamento e o objecto do pensamento. Por meio de tentativas, erros e silogismos parvos, usando de alguma dialéctica, muita metafísica e muito pouco distanciamento crítico. O eu não existe. Mas os pijamas sim.
sábado, maio 19, 2007
...à janela...
Tenho o prédio "engarrafado"!
Rodearam-no de andaimes e rotularam-no com uma rede verde-garrafa...
O prédio vai ser pintado e isolado de novo, e vamos continuar nisto nos próximos meses...
Aquelas vistas espectaculares, aquelas paisagens maravilhosas que destas janelas se viam...agora são a pontilhado, com uma forte componente de verde escuro lá para o meio...que tal?
Mas não era por isso que eu vinha...é que hoje foi diferente!
Às vezes, acordava com os homenzitos à janela, a falar para um homem do outro lado do mundo, com uma riqueza lexical altamente classificada e uma táctica de oralidade em que cada frase deveria ter pelo menos dois palavrões. Vá, gíria insultuosa. E essa parte de acordar com a voz deles era particularmente interessante quando dormia em roupa interior e me esquecia e fechar os estores...cheguei a atrasar-me para a escola à custa disso!! É que tinha de esperar que os bons dos senhores saíssem de ao pé da minha janela para me poder arrastar, em trajes menores, para a persiana...e assim começas o meu dia. Bem, rotinas!
Mas também não era por isto que eu vinha.
Era, sim, por hoje me ter posto à janela, antes de almoço, a ouvir um dos homenzitos cantar. Ele estava no 5º andar (dois abaixo do meu) a isolar uma esquina de um estendal e cantava como ninguém o ouvisse. Eu não o via, ele não me via. Falava e cantava sozinho, muito ou pouco concentrado na sua tarefa. Até que me viu.
"- Olá.
- Olá...
- Estás aí há muito tempo?
- Ya.
- Tens estado a ver a minha figura de parvo, hein?
- Pois...
- E não vais gozar comigo?
- Para quê?
- ..."
E continuámos a conversar. Fui levar o cão à rua, e quando voltei lá continuámos. Fiz o almoço, almocei e, a certa altura, ele já não trabalhava. Sempre a conversar... Eu cá dentro e ele lá fora.
Tive pena do homem.
Mesmo. Sem nunca lho dizer, obviamente.
Sem ambições, sem o oitavo ano completo, com a infância perdida algures entre a morte do pai e a vida nas drogas no bairro alto.
Sagitário, média estatura, um nome que adoro. Olhos sofridos e capacidade de discurso francamente degradada. Algo machista. Mãos de pintor.
Disse-me 21 vezes, no tempo em que conversámos, para não abandonar os estudos, para me portar bem, para não abusar nas bebidas, para não resmungar com os meus pais, e que as drogas eram um caminho que não valia a pena.
A certa altura, disse-lhe que tinha de ir arrumar o quarto.
E ele disse que o Encarregado também não pagava extraordinárias.
E pronto.
Sábado pobre.
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4 comentários:
Deve estar giro o teu predio...
Bem, aparenta ter sido uma boa conversa com o homem do andaime(?). Mas porque nao o convidaste para almoçar contigo? Ficaste com o nº dele, ou algum meio de contacto?
Quem sabe se nao surgira uma bela amizade dai?
LOOL... Mas estou a escrever a serio!
Xau,
Ana
Entao senhor simpa'ctico esse.
Grande hra d almoc,o n?
Segue os conselhos do senhor, ezta' bem?
Beijinhuz*
lol.... E bom fazer amigos!!
E lá tornaste o dia do senhor menos solitário!
(eu não sei se me sentia muito confortável a falar com um desconhecido que podia entrar-me pela janela a dentro...)
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