quinta-feira, fevereiro 28, 2008

IV

Nós somos loucos, não somos? Desta louca poesia, Desta riqueza dos pobres Que se chama fantasia! Ergamos pois nossa tenda E nosso lar de pobreza No mais ermo desses montes, No fundo da natureza. Se o frio apertar connosco, Pois não temos mais calores, Aqueceremos os membros Na fogueira dos amores! Se for grande a nossa sede, Tão longe da fonte fria, Contentar-nos-emos, filha, Com as águas da poesia! Assim à nossa pobreza Daremos a Imensidade... Que com isto se contente Nossa pouca seriedade. E, pois somos loucos, vamos Atrás dos loucos mistérios... Deixemos ricas cidades Ao sério dos homens sérios!
Antero de Quental
Primaveras Românticas

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

184 dias

Seis meses. Meio ano. Passou a correr. Temos, de facto, a liberdade de poder escolher ser fortes. Talvez o mais forte não seja aquele que ultrapassa os problemas...mas sim aquele que tem a coragem de escolher ser forte. Talvez o mais forte seja aquele que diz sim à vida e à realidade e à pressão...aquele que lhes grita "Venham que eu aguento convosco!". Talvez o mais forte seja aquele que diz "Sim, isso aconteceu", "Sim, eu estive lá", e "Sim, eu vou contar-te a história". Talvez seja o mais forte o único que que sabe o que aconteceu e que aceita as coisas tal como elas são. O mais forte não é aquele que rema contra a corrente. É aquele que tem a coragem de escolher fazê-lo: consiga ou não.

quarta-feira, fevereiro 20, 2008

[Untitled] II

Precisamos, realmente, de falar das coisas. Torná-las reais, presentes, vivas. Só assim poderemos ultrapassá-las. Guardá-las, só depois de falar delas, no mais íntimo de nós, segundo a nossa visão das coisas. Entregá-las aos nossos pijamas para voltar a mexer, quiçá, um dia mais tarde - quando for preciso. Temos é de ficar com a certeza de que quando voltarmos a falar daquele assunto, não vamos desabar como outrora.
Não podemos simplesmente pensar noutra coisa.
Não podemos ser proibidos de chorar ou de lembrar quantas vezes nos apetecer.
É disso de que se trata o luto! O verdadeiro luto, acredito eu, passa exactamente por aí.
Passa por mexer e voltar a mexer na ferida. Passa por desabar mil e quinhentas vezes até crescermos dali para fora. Passa por falar dos assuntos, com naturalidade, com a frequência adaptada àquilo que possamos e queiramos suportar.
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Não criemos flores de estufa. Não podemos evitar os assuntos, não podemos fingir que nada se passou! Porque passou, de facto! Porque dói, de facto! Porque virá à tona mais cedo ou mais tarde e aí, aí sim!, vai doer ainda mais!... Falem! Não teham medo! A vida não é justa...e temos de aprender isso às nossas custas. Por muito que vos custe.
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Por favor...
...deixem-me lutar.
...deixem-me fazer o meu nojo.
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Preciso disso.
Urgentemente.

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Depende dos teus olhos... II

Ver-me-ás como serei? Como poderemos alguma vez saber se aquilo que vemos é, realmente, aquilo que é? Como vamos saber se estamos errados, se toda a gente disser o mesmo que nós? Podemos estar todos errados? Se olhamos todos para um mesmo contentor, vamos, por certo, todos dizer que ele é verde. É, normalmente, a primeira definição visual que damos das coisas: a cor. No entanto, se há coisa que o coitado do contentor não é, é verde. Aprendemos na física que o objecto guarda para si todas as cores que quer, repelindo a que não quer! O raio do contentor guardou para si todas as cores que queria. E mandou embora o verde. E nós chamamos verde ao contentor!! É a confirmação mais básica, mais evidente de que os nossos olhos estão errados.
Chamamos-lhe verde. Todos nós. Não vai ser por isso que ele vai gostar mais do verde.
Quantas vezes não nos apercebemos de que os olhos vêem o que o cérebro quer ver?
Quantas vezes não olhamos segunda e terceira e quarta e quinta vez e de todas as vezes vemos algo diferente? Quantas vezes não precisamos de um novo olhar sobre isto ou aquilo? E quantas vezes um novo olhar não mudou tudo?

terça-feira, fevereiro 12, 2008

Depende dos teus olhos...

“- Bom dia, disse o principezinho. - Bom dia, disse o comerciante. Era um comerciante de pílulas aperfeiçoadas para acalmar a sede. Engolindo uma por semana não há necessidade de beber. - Porque vendes tu isso?, disse o principezinho. - É uma grande economia de tempo. Os cálculos foram feitos por peritos. Poupa-se cinquenta e três minutos por semana. - E o que se faz com esses cinquenta e três minutos? - Faz-se o que se quer… «Eu, disse o principezinho para consigo, se tivesse cinquenta e três minutos para gastar, o que fazia era dirigir-me devagarinho para uma fonte…»”
Antoine de Saint-Exupéry, O Principezinho

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Viver para quê?

“- Bom dia, Thibault!
- Bom dia, Yolande… (Silêncio).
- Parece que estás cansado?
- É que caminhei muito…
- Sim, a tua ausência durou muito tempo. (Silêncio).
- Era difícil de encontrar.
- O quê?
- O que eu queria.
- E o que é que tu querias?
- A lua.
- O quê?
- Sim, eu queria a lua.
- Ah! (Silêncio). E para quê?
- Sabes, é uma das coisas que ainda não tenho.
- Está certo. E conseguiste o que querias?
- Não. Não a posso ter.
- É aborrecido.
- Sim. É por isso que estou cansado. (Pausa). Yolande!?
- Sim Thibault.
- Tu pensas que eu sou louco?
- Sabes que nunca penso. Sou suficientemente inteligente para não pensar.
- Sim, está bem, mas eu não estou louco e nunca estive tão lúcido. Simplesmente, senti de repente uma sede do impossível. (Pausa). As coisas, tais como elas são, não me satisfazem.
- É uma opinião muito espalhada…
- É verdade. Mas eu não sabia. Agora sei. Este mundo, tal como está, é insuportável. (Pausa). Eu tenho necessidade da lua ou da felicidade ou da imortalidade. De qualquer coisa que não seja deste mundo.
- É um raciocínio que se tem. Mas, afinal, não se pode ir até ao fim…
- Tu nada sabes. É porque não se quer ir até ao fim, que nada se alcança. Mas é preciso sermos lógicos até ao fim.
- E qual é a verdade, Thibault?
- Os homens morrem e não são felizes. (Pausa).
- Então Thibault, é uma verdade que não incomoda ninguém. Olha à tua volta. Isso não impede as pessoas de almoçarem.
- Então é porque tudo à minha volta é mentira. Mas eu quero que se viva na verdade…”
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Albert Camus, Calígula

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

Debaixo da tua asa...

...sinto-me bem!
É como voltar a casa e sentir aquele conforto...que nos conhece tão bem e sabe exactamente do que precisamos... A tua asa é a única que me faz sentir que é mesmo uma asa...e uma asa feita para mim! Uma asa vinda de ti, à minha medida... Proteges-me como fosse tua...e isso faz teu um bocadinho de mim! Sabes que não o sou...mas fechas os olhos a isso quando sabes que o perigo espreita! Sinto-me bem, debaixo da tua asa...porque é uma asa, mas sobretudo porque é tua! Um dia vais crescer, e um dia hás-de casar, e um dia sumir-te-ás diante dos meus olhos... Vou sentir-me perdida porque deixarei de te ter debaixo da asa que construí à tua volta... Nesse dia pode ser que te abrace e te diga tudo aquilo que hoje podes apenas sentir...