domingo, dezembro 20, 2009

"Velho, velho, velho"...

Olho-os. Eu cresço, eles envelhecem. Os anos cobrem-se com a pele como um cobertor, e eu vou contando as dobras.

Daqui é como se não mudassem. E por mim era sempre assim. O meu pai embaraçado sem dizer, nunca dizer o que sente. Em todos os Lethal Weapon, Roger Murtaugh (Danny Glover) dizia "I'm too old for this shit". E eles vão estando velhos o suficiente para as coisas.
Vergílio dizia que "ser velhor é ir sendo pouco", mas eles não são esses velhos. São aqueles que já fizeram, já sabem, têm, e agora olham. Observam. Contemplam. Uns, com "iogurtes com pedaços" entre os dedos que ainda estão longe da reforma. Outros, que silenciam o espaço como que por magia quando falam.

Diz-se que vai nascer um Menino agora por esta altura. Aqui nasce assim, e eu não conheço outro. No tempo que passa como a vela que arde. É aquele fogo que nos dá sentido... Queria ter uma que não morresse nunca!

quinta-feira, dezembro 17, 2009

Toma.

Olhava com o olhar de quem recebe o que é dado, de quem não sabe, de quem crê não ter como responder. Era quem não cabia em si. Era quem não sabia o que era para estar naquele lugar.
Disse só "Toma. Guarda.". É meu, e por isso é teu, quis dizer, mas falou só por olhar. Não queria uma festa, não queria um obrigado, porque não faria sentido. Dar é dar. E não é a qualquer um, é àquele ser humano específico e em especial. Não queria um abraço, um olhar, sequer. Porque aquele dar chegava, bastava-se, para dizer tudo que fosse preciso. Estás aqui e eu quero que tomes, que segures, que guardes, que leves, que sejas. Sou eu e és tu e eu saio de mim para ti. Sou tu, aqui. E a partir daqui, tu és o que tu entenderes.
Dar é dar. É ser um outro. Não somos maiores, mas há algo de maior em nós. Não transbordamos nunca de nós, mas de algo diferente. Algo maior. Algo que brota, que grita, que precisa de um Outro. Dá-se, porque só se pode dar. E dar assim...é ser. É amar. É chegar.
Não dói. Antes nos queima aquela sensação de que fizemos tanto esforçando-nos tão pouco. E olhamos nos olhos aqueles olhos. Tão fora de nós, tão distantes em tantos sentidos, mas tão perto, e tão iguais aos nossos... Está aqui. Toma!

quinta-feira, novembro 26, 2009

morar

Queria contar-te uma coisa, sabes?... É. Mas para isso preciso de remontar às ervilhas que comi aqui no Verão e que, para desgosto póstumo de Exupéry, me deixaram estragada. Cresci então uma ervilha na barriga. Trago-a comigo, e ela cresce. É uma ervilha estragada – é aquela que me avariou.

Hoje sento-me num canto, mesmo debaixo da estante dos Ésses (Rodrigues dos Santos e Saramago espreguiçavam-se escandalosamente ao longo das prateleiras mais baixas) e colho um Silva. Uma Gota de Chuva, dizia ele. Uma gota de chuva. E só bastou.

No caminho para a continuação da minha gestação, esbarrei com O’Neil, que estava sentado mesmo a seguir à esquina da ala do Camões lírico. Falou-me da vertigem que nós éramos, a vertigem entre o real e o sonho, disse ele, com aquele olhar de quem semeia mas não olha para onde. E já o Vergílio tentou, quando era vizinho, morava no 5º andar, lembro-me tão bem... Falava de relógios e de velhos e coisas do género. Tinha de repetir sempre o que ele dizia para poder perceber ao menos o encadeamento das palavras, até que emudeceu.

Mas só aquela estava estragada. Só aquela me estragou. Só aquela não traguei, tendo deixado de poder tragar. Era intratável. O infame!

É isso. Desculpa. Estou estragada. Um homem morto e desgostoso tem a culpa. Ele é que não arrumou antes de partir, e eu tropecei naquele quarto... Eu farei, a sério que sim. Fazer sempre a cama antes de ir.

quinta-feira, novembro 19, 2009

Sorvo.

Hoje há nova Jerusalém.
Lisboa. Lisboa. Além-mar, Cristo Rei. Um sorvo só.
Senta-te. Não chores. Visita-a. Esta de casas e casinhas, que tem o Martim Moniz e o Castelo de São Jorge, e o Tejo e os pássaros e os eléctricos e a ponte. Chega. O princípio é vir, é ir, é chegar.
Porque amar é estar sempre chegando.

quarta-feira, novembro 18, 2009

Rápido.

Caminhava mais rápido que sempre.
Já não sabia de cor tudo o que precisava de saber para chegar mais rápido, porque já tinha tudo tão entranhado desde o primeiro dia de sol que agora não precisava de pensar no caminho e podia usar esse tempo para pensar no resto, no tudo, no que estivesse a seguir, no resto da vida.
E não havia tempo a perder, porque não haveria nada a ganhar em perder esse tempo.
Nada, por certo. Por certo...
E ia, e vinha, e ia, e vinha. E tudo era assim, e tudo funcionava. Um ir e um vir. Um descer e um subir. Um chamar e um fugir. O poder de se poder desembrulhar o papel de parede sem saber propositadamente se não se está a embrulhar-se nele. E embrulhar e desembrulhar e embrulhar e desembrulhar e embrulhar e desembrulhar e dissecar e descobrir a ponta, e depois o resto, do acre do piquenique.
Quem anda só chega a horas. Mas só se traz a si nas mãos.

sexta-feira, novembro 13, 2009

7:31

Só mais um bocadinho, va lá. É só mais um bocadinho.
Quero ficar aqui e nunca mais sair. São agora 7:30, 7:30, 7:30 da manhã, e é necessário, estritamente necessário abandonar o quentinho, o quentinho aqui...este, isto. Isto, isto, isto, isto. É este isto que é bom, e daqui a nada já se foi. Porque saí e está frio lá fora. Porque saí e vai deixar de ser quentinho, aqui. Meu. Meu. Muito meu.
Depois? Depois beberemos o que ficou. O chá arrefecido e aquecido. Que ainda é chá, aquele chá, mas já não sabe ao mesmo.
Não! Aqui! Isto, milhões de vezes isto! Milhões de vezes a infantilidade, a inutilidade de querer agarrar um segundo para sempre... Tenho medo do escuro, do escuro de me esquecer do sabor deste quentinho! Do escuro, aquele escuro, de me assombrar a memória de que um dia arrefeceu. Só mais um bocadinho...
Sim...?
.
7:31.
[escuro]

sábado, novembro 07, 2009

Puxa!

Não é ser exigente. É não ser contraproducente.
É essencial que as coisas funcionem. As flores que fazemos dão fruto e semente. E as sementes germinam e o ciclo recomeça. Sem nós! E só assim - já sem nós - funcionam em facto e verdade.
Falta. Ainda há muita coisa urgente por fazer, e todos sabemos isso. O ponto não está aí. É que, para além do que é urgente, ainda há coisas importantes a fazer. O que é urgente alguém fará. E isto, isto é importante. Verdadeiramente.
Não se trata de exigir, mas de ser.

quarta-feira, novembro 04, 2009

BANG BANG YOU'RE DEAD

(Josh) O que é isto? Quem está aí?

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(Michael) Então fazes da tua cara uma máscara.

(Katie) Uma máscara que te esconde a cara.

(Mattie) Uma cara que esconde a dor.

(Jessie) Uma dor que te come o coração.

(Emily) Um coração que ninguém conhece.

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Texto William Mastrosimone
Tradução Sofia Torres de Carvalho

segunda-feira, novembro 02, 2009

Isso e couves.

Era cortar-lhes as cabeças, espetá-las em paus, plantá-los ao sol até secar. Ou então deixarmos de ser idiotas, que também serve e é ligeiramente mais económico.

sexta-feira, outubro 23, 2009

Chove.

Chove como se nevasse.
É um esforço que se faz.
Às vezes, para respirar.
Mas é um esforço.
E isso conta só por si,
e viver assim deixa-me feliz.
Hoje chove como se nevasse. E nem sempre quando chove chove como se nevasse. Não é sempre. E nem sempre quando chove como se nevasse eu dou por isso, por isso são ainda menos as vezes em que para mim chove como se nevasse.
É um esforço. É sempre um esforço. (É por ser um esforço que há reforços...!) É por haver esforço que há certezas. É por haver esforço que andamos em cima de dois pés. É por haver esforço que não há de que ter medo.
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E...frio. Há quem seja lindo e tenha frio.
Porra, ninguém me tira isto.
Vou chover. Como se nevasse.

quarta-feira, outubro 14, 2009

Non abbiate paura!

Em português de Taizé, nada há a temer...

E isto é fácil quando é fácil. Até por definição.

O resto? O resto é quando cresces, em facto.

sábado, outubro 10, 2009

linhas

Ela tinha uma certeza naqueles passos, como se todos os passos tivessem um sentido. Algo maior expandia naquele peito, e isso transbordava, mas só para quem olha.
Há uma certeza, ao ir, de que está tudo. Onde devia ou não, bem ou não...pouco importa. O que está, está. E o que está, está bem. São estas as linhas com que se cose. E é isso que aquele peito e aqueles passos tinham de especial. Não estavam cheios de si, nem de ninguém, mas de algo maior. Algo maior.

quinta-feira, outubro 08, 2009

Lalala, j'suis un escargot!

Avant tout, je suis celle qui demeure.
Je suis un escargot qui se demeure, mais qui passe. Qui passe au côté ou devant les choses, mais qui ne passe pas sans les connaître, sans les connaître dedans et en vérité. Et c'est ça car je me demeure: n'oubliez pas ma condition d'escargot!
Pourquoi est-ce que je me demeure, vous vous questionez. Comment ne pas me demeurer, je vous demande... Avez-vous vu les gouttes de la pluie d'hier posés dans le frais gazon du jardin? Voyez-les, s'il vous plaît! Dites-moi, dites-moi si elles sont ou pas la demeure d'or que je ne peux pas voir, seulement sentir...
Je me demeure et je demeure. Et je passerai.

quarta-feira, setembro 30, 2009

O início.

Não é difícil despedires-te. É chegares ali, àquela barreira, seja onde for que a criares, e dizeres Adeus. É o bastante.
Aí colocas tudo o que sentes. Não por te estares a despedir, mas por ser assim que a vida se vive. Não será necessário mudares o modo de viver por uns minutos - aqueles, a despedida - ninguém quer que sejas outro quando te despedes.
Porque a despedida é unicamente uma coisa que dizes. Di-lo, sem medo de dizer. As palavras não te vão comer. Não evitará a partida o facto de adiares as palavras. Diz tudo, diz cedo, e depois cala-te. É relativamente fácil. E bastará, ainda que não pareça.
Alguém dizia que quando nos aproximamos do final, voltamos sempre ao início. O início. Todos os inícios são uma história, e quase todos são mais que uma história. Contamo-la ao nosso ninguém como a uma criança - uma história mais ou menos apetitosa: consoante o tamanho do sorriso que trouxer.
Bem vistas as coisas, porque não nos calamos?

segunda-feira, setembro 28, 2009

FAME 2009

Uma reedição do original, que data de 1980. Um FAME na Nova Iorque de hoje.
Estreia a 1 de Outubro no cinema português e eu tenho de ver.

terça-feira, setembro 22, 2009

Minuto

E depois olha-se e já passou. Já passou a Primavera e o Verão e muitos Outonos... Quando foi que ficámos com os Invernos, amigo?... Lembras-te?
Era uma tarde de semana, um dia qualquer. Estávamos a caminho do Mc'Donald's. E veio o gelo invadir o nosso Outono jovem, quente e castanho e cheio de poças, para tudo tornar branco, tudo gelar, tudo adormecer, tudo anestesiar...
Tu não estavas, como poderias lembrar-te...?
Foi sobretudo por não estares que tivemos a certeza que o Inverno tinha chegado. Para ficar.
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O tempo passa, pega em tudo o que quer e leva. Ele que leve.
O nosso segredo ainda é nosso: a força maior que o mundo tem.

quarta-feira, setembro 16, 2009

segunda-feira, setembro 07, 2009

O Outono II

Deste-me um beijo. Virei costas, ajeitei o gorro e abandonei o espaço em que ficavas, aceso e distante: recônditos e aconchegantes refúgios de mim.
E estava a chover. Aquele som invadiu-me, como se de há anos atrás se tratasse. Aquela imagem, mágica, do chão pintado de pedaços de céu, impregnou-me daquele cheiro.
E lembrei-me, de súbito. Da nossa chuva. Até o meu nome, que há muito deixara de me fazer cócegas na nuca. Aquilo que era o princípio e o fim de nós, o início e o final de tudo quanto, juntos, tocávamos com as pontas dos dedos.
Tanto porque chegaste inesperado como um aguaceiros, logo no primeiro instante, como sempre foste - aquela presença que me encharcava em alegria, que me enchia de liberdade para transbordarmos em confiança...eras a criança que havia dentro em mim, e que me fazia querer chapinhar em poças e rir à gargalhada...
Tanto porque a minha chuva eras tu. O meu suspiro, o meu alívio, o meu conforto, o meu amor, o meu abraço, a minha frescura, os meus esguichos, o meu arrepio a cada momento que vislumbrava esses olhos doces ou sentia a tua voz bater em cada pedacinho de dentro de mim...
Hoje vais e voltas e tudo quanto é teu não dura mais que um instante. Hoje apareces e desapareces com a rapidez e instensidade com que aquelas gotas chatas nos acertam exactamente entre a nuca e a roupa que nos cobre as costas.
Não deixa de ser curioso. Amo-te como - parece - desde sempre. Nada mudou de lugar, mas acho que ele não conseguiu ficar no mesmo sítio. Não podia, né?
Vai. Farei de cada tempestade o meu mais profundo aplauso. Lembra-te de mim.
Vai. Não preciso de ti para te amar, porque te amo - mesmo - assim. Vai. Sonha, corre, luta. Vencerás.
Vai. Nada me faria mais feliz que saber-te feliz.

sexta-feira, agosto 21, 2009

Saltinhos

Há dias para tudo. O que é uma grande mentira. Nós é que podemos tudo.
E é assim. Ele está.

terça-feira, agosto 11, 2009

"Cum escamartilhão!..."

Eu descobri que estar chegando é estar partindo ao mesmo tempo.
Não há cá metafísica: é tudo software. A alta tecnologia dos pequenos sinais de vitalidade liga aqui e aqui e aqui, em sítios que não se vêem nem se pegam.
No sistema central, a Unidade da Dor vive consciente de que a dor não termina, dê por onde der, e a boa notícia está por aí: a dor não termina. Simplesmente não termina. É aqui que começa a minha liberdade. Tal como Thibault queria, na verdade.

sexta-feira, agosto 07, 2009

assim sem mais nada, com voz de rádio antigo

Pois eu tive um sonho.
E dançava-se e tudo. E não era tudo bom, porque não era daqueles sonhos queridos e fofos. Continuava a existir cancro e fome e o alcool continuava a ser a 4ª causa de morte em Portugal.
Eu tive um sonho.
Eu tive um sonho e depois acordei, e não posso dizer que a realidade fosse melhor, porque não sei, mas talvez não fosse - como já disse, não sei, - mas o que é facto é que. É o quê? Well, basicamente, Há aqui coisas. E isso conta.
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Mais do que tudo.

quarta-feira, agosto 05, 2009

come. e cospe.

Charlie Chaplin estava enganado.
O riso e as lágrimas não são antídotos contra o terror. Porque antídotos anulam venenos.
O riso e as lágrimas antes são subterfúgios. Antes são máscaras, são desculpas; saídas boas e convenientes. E fáceis.
O terror está lá e lá fica. Tal como o medo. Tal como o pavor e o nojo e a dor. Ferem, destroem, escarafuncham. Quanto mais forem disfarçados, mais diluídos, mais escavam, mais roem, de maneira mais atroz de cada vez.
Ri-te, porque rir faz bem! E depois chora, chora tudo aquilo por que te vai apetecer chorar. Não vai ser pouco! Chora. Chorar faz ainda melhor do que rir. E depois reage, como toda a gente que se encara e se afia e desafia para riscar e arriscar. É a altura em que tu cospes. De surpresa. De nojo. Passou o riso e o choro e tu percebeste que o terror ainda te sorria, à tua frente e a comer da tua mesa.
Tua?
Não. Haha. Nãão. Nada será sempre nosso.
Se isso te sossega, nem o terror.

Segredo, como a cor.

São de quem esconde. São de quem tem.
São um por enquanto, mesmo que seja eternamente.
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Não gosto, pronto. Só isso. Peço desculpa, então.

terça-feira, julho 28, 2009

Ano 2000

Na capa do manual de Língua Portuguesa estava escrito um poema de que nunca mais me esqueci. Salvo erro, de Alice Vieira. (Se estiver errado e me lembrar mais tarde do nome correcto, venho cá corrigir.)

Lá estava, escrito à mão, em letras gordas e...hum...de principiante. Hoje ainda é verdade. Como o sol.

Gosto da palavra e da letra

Gosto de quem a escreve

Qualquer letra ou palavra é preta

Num fundo branco de neve

domingo, julho 19, 2009

Atrevimento

Uma viagem silenciosa, como quem está no meio da rua a ver um furacão chegar. Não é bem medo. Antes uma confiança estranha no que está para vir. Bom ou mau...nada a temer: é uma experiência.
Gosto de me sentar no chão e cruzar as pernas "à chinês".
Espero, apenas, pelo que vem na travessa para a minha mesa.
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Atrevo-me a ficar, tão somente, a vê-lo chegar. Por vezes, corro para ele na ânsia incontida; por outras, recuo um pouco para ganhar algum tempo que ainda me é útil. No final, e seja como for, é sempre um encontro desejado. Ele vem ao meu encontro e eu espero-o no meio, no centro, onde a pressão é nula.
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É assim que tudo posso: está tudo bem.
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Pois é. Fui para um convento. Se doeu? Obviamente. Enxertos de porrada deixam sempre as pessoas - que sentem - doridas, com nódoas e cicatrizes provenientes das investidas mais certeiras. Não nasci de novo. Não mudei de nome. Não mudei de vida. Mas estou aqui...dorida...e a digerir.

sexta-feira, julho 10, 2009

téni

Ténis? Tennis?
O que é certo é que tenho um sapato no tecto.
Ao contrário, i. é, de cabeça para o ar. Se é que os sapatos, ténis, tennis, têm cabeça. Bem vistas as coisas, o téni (ténis?) não é meu. Nem o tecto.
Mas está lá, o sapatinho. Pendurado pelos atacadores com um laço, com a sola virada para cima, no céu do quarto onde eu durmo.
Há pessoas que fazem ahh depois de beberem água. Há pessoas que escrevem livros, e também as há que não os escrevem. Todas as pessoas são estranhas pelas coisas que fazem, sobretudo porque fazem essas coisas não as outras possibilidades de coisas para fazer. Há pessoas que dizem téni, e também isso nos diz qualquer coisa.
O que é estranho, então? Tudo? Gosto que sim. Afinal é isso que nos apaixona nas pessoas.
Lembro-me de estranhar escrever o meu nome. Era assim que eu me chamava, e agora podia escrevê-lo.
Voltar a olhar. Uma primeira vez.
No tecto, ao menos, não está desarrumado.

segunda-feira, julho 06, 2009

Rolling Stones

Às vezes, tudo o que eu queria era um dia cinzento.
Às vezes nem queria, só precisava.
Só um, nem tinha de ser o dia todo, só assim um bocadinho durante a tarde, por entre a gritaria e confusão deste sol cataclítico.
Mas a gente não manda. E eu sou um bocadinho de gente. Se a gente não manda, bocadinhos dela mandam ainda menos. Right?
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No entanto, às vezes, não só o dia fica cinzento e escuro, e fresco e ventoso, e limpo e grande, e espaçoso e cheio, como também se farta de chover e ainda nos cai uma senhora trovoada em cima. Passa-se ali um dia inteirinho - inteirinho! - em que o sol não atrofia cérebros nem músculos nem poros, se limita simplesmente a preguiçar sobre as fofas nuvens que fazem o favor de chover cá para baixo. Alguns bocadinhos de gente ganham ainda a possiblidade de passear - individualmente ou não - debaixo dos pingos indefinidamente sistemáticos e torrencialmente sequenciais daquela liberdade imensa e de depois ouvir a serra respirar ou sentir a cidade renascer. E tudo isto de graça!
Os Rolling Stones são famosos por causa daquela frase deles a respeito de nem sempre se poder ter o que se quer, mas às vezes conseguimos ter aquilo de que precisamos. Sublinho: às vezes, podemos ter o que queremos e o que precisamos ao mesmo tempo, com tudo grátis e às vezes até há beijinhos!

sábado, julho 04, 2009

Ninguém pode.

Curiosos, os caminhos humanos.
Bichos estranhos. Protegem-se de sismos, lutam contra cancros, preparam-se para furacões, cheiram tempestades, sobrevivem a acidentes, escapam, continuam, esperam.
Mas da culpa? Salve-se quem puder!

sábado, junho 27, 2009

Vais ver!...

É possível que viva em mim alguém que nunca vi? Não, mas eu vi. Será possível que viva em mim alguém que nunca conheci? Não, claro que não, se não conheci, não. Mas eu conheço, e vou conhecendo, porque vive em mim e eu conheço.
Sinto que é, que foi, e que é sempre.
A vela é o tempo que arde. O tempo é a vela que passa.
Às vezes apetece-me ir até ao cemitério dizer olá a um resto de corpo morto...dizer Sou a Ana e já tive oito anos, como tu também já tiveste...! Vou andando agora nos meus dezasseis e não fazes ideia das coisas que tenho para discutir contigo!
Mas faz. Porque está e as minhas coisas são um livro aberto para quem está. Se não estivesse, eu não sentia que sim.
"Um dia a minha mãe também vai para ao pé de ti e então tu vais ser-me muito útil e voltar a falar-lhe daquelas coisas só tuas...e eu vou chorar de felicidade quando perceber que voltaram a rir-se à gargalhada...a tal gargalhada de cabeça para trás... Vais ver!"

terça-feira, junho 23, 2009

Eu posso tudo.

Vai haver sempre isto. Isto não, mas outra coisa qualquer. E eu vou ser sempre um copo que cai e que parte. Sempre um copo, sempre eu, sempre um estardalhaço enorme - para mim, claro - que antes de chegar aqui caiu de 50 prateleiras muito muito muito altas. Porque o muito é sempre relativo, tal como Deus é minúsculo.
É por isso que a Mariana ganha sempre - sempre é sempre - e a Sara é e sempre será - sempre é sempre - a minha Tangerina. Porque eu sou um copo que cai e que parte, independentemente de tudo o resto, menos de tudo - que é o mesmo dizer que nada. E é assim que é independentemente, i. é, de modo independente. Porque eu sou um copo que cai e que parte e que se não caisse nem partisse não estaríamos todos aqui a fazer nada. E se não fosse independentemente nesta dependência total e absoluta que expliquei há uns momentos atrás, também não valia a pena estar para aqui a escrever.
Pum. Caiu. Haha.

segunda-feira, junho 15, 2009

Diz.

Diz que o escuro volta.
Que há um lugar para crescer e um tempo para ser racional. Que é bom ter medo e que a noite existe sempre, mesmo quando nós deixarmos de existir.
Diz que é, se nós quisermos. Diz que sim.

sábado, junho 13, 2009

eu sou um copo.

Poisou o copo sem o partir.
(Ainda tinha água, mas era o mesmo que não tivesse, porque de qualquer das formas não foi bebida.) Devagarinho, deu um beijo à mãe e, como se tivesse voltado ao estúdio de dança, dirigiu-se ao quarto, depois à cama, sem que o mínimo ruído tivesse oportunidade de se estrear.
Deitou-se. Sonhou um sonho acordado: que estava na praia, naquela mesma noite, e que afinal não existia dor no seu mundo. O seu mundinho ridículo onde podia não haver dor, se se sonhasse dolorosamente muito, mas sem se notar.
Levantou-se e pegou nas bandas de cera. Olhou pela janela sem que a janela desse por isso. Uma noite, a primeira, em que a depilação não doeu nem um bocadinho.

sexta-feira, junho 12, 2009

Apesar de cocó, eu amo-te.

Fica uma ode.
Uma ode aos amigos. À confiança. Àquela cumplicidade que nos embrenha uns nos outros. Àquele hábito tão nosso e tão bom de irmos conhecendo. Às coisas que acontecem: as boas e as más, que acabam sempre por fazer de nós quem vamos sendo.
Um hino a todas as pessoas que foram, nem que por um minúsculo momento, e mesmo que nunca o tenham sabido, o mundo para alguém.
Na prática, faço então uma ode às pessoas; ao ser humano em si, capaz de tanto. Capacitado para ir, ver, cantar, pensar, teorizar, rir, lutar, vencer, perder, acreditar, sobreviver...capacitado para ser plenamente e para amar aos bocadinhos.
E hoje, especialmente hoje, àqueles que perseguem os seus sonhos como podem, com quanto podem, e são dignos de esquilhões por isso.
Ao Miguel, ao Vasco, ao Hugo e ao Válter.

quarta-feira, junho 03, 2009

Para mim todos os dias são derrotas II

Porque senão eu ganhava.
Porque senão já não havia aqui nada para fazer, porque estava ganho.
Quero ir. Quero querer! Quero continuar a perder e a não ter para poder continuar a ir ganhando.
Quero, quero, quero, e quero nunca deixar de querer. Porque quando eu não quiser mais, já não há em mim sonhos, já não há em mim saltos, nem sóis, nem bichos, nem tangerinas, nem chocolates, nem foguetes, nem flores, nem precipícios, nem teoria alguma, nem qualquer réstia de vida.
Cada dia é uma chapada. Cada dia é a oportunidade de a curar. De a superar. E de confiar que, quando chegarem outras, havemos de chegar para elas todas.
Não há aqui nada que seja meu. Perdi tudo. E nada me dá mais força, nem mais poder, nem mais confiança. Não há aqui absolutamente nada que seja meu.

quinta-feira, maio 28, 2009

sóis ao longe

Sonho para descobrir a verdade.
Aprendi com o senhor Roda: à noite é que tudo começa verdadeiramente. Porque a realidade desaparece com a luz, e a verdade vem vestida de luar (e com queimaduras solares: a verdade não perdoa nem é perdoada...). A escuridão é que é iluminada! Ela é a luz de sóis ao longe...e deixa tudo ver num só espaço e a um só tempo!...
Com o sono, começo a pensar com o corpo, mas sem saber. Pensadas com o corpo, as coisas ficam mais claras, e isso dá-me poder. Ao meu consciente, ao meu inconsciente e ao meu subconsiente...mas sou sempre eu! Só aí me apercebo...tudo é um concurso de circunstâncias e oportunidades...como uma conjuntura pintada à mão...
E tornou-se necessário olhar as coisas só com olhos de peluche para não magoar o sono.
O que dá algum trabalho, mas faz-se bem.

domingo, maio 24, 2009

atchim.

Tenho medo.
E tu tens razão. Tens sempre razão.
Eu sou fraca. Teorizo, dou a volta, caio, levanto-me. Finjo que não aconteceu nada. E tu ganhaste sempre, mesmo quando eu não vi. Sou...pequena. Como é que ainda aí estás?...
A esperança cresce, débil, real, por entre a relva, no caminho, à vista, como um fungo impertinente. Cresce espontaneamente, quando e onde não deve, daquilo, do nada, do resto, do que não conta, do caos, do fundo, para vir assomar à minha derrota mais uns pontos negativos. E deslumbra-me. (Fraca!)

Às vezes preferia que já te tivesses ido embora, sempre me sentiria inocente. Assim sendo sinto-me só idiota. E deficiente. Mas como é que tu ainda aí estás?...

segunda-feira, maio 18, 2009

Viver é não conseguir.

Foi o pior. Hospital, dores, consaço, trabalhos, testes, dentista, sono, macacos no sótão, datas, prazos, desafinações, ai, estou, morta.
Foi horrível. E talvez por isso tenhamos chegado onde chegámos.
Ganhámos porque aquilo que ali fizemos era verdade.
Parabéns, bichinho, pela nossa vitória no V Festival Palotino.
Porque sem ti, nada disto teria feito sentido absolutamente nenhum. Porque és tu que estás, sempre, a dois lances e escadas de distância. E mesmo quando não há escadas, nem lances, também não há distância e estás sempre comigo. E mais não preciso de dizer, nunca precisei...
És eu. És o meu bichinho. E nós não somos nada de jeito.

sexta-feira, maio 15, 2009

Piri Fonseca Ferreira

A Piri morreu.
Morreu a 26 de Fevereiro de 2009, às 23 horas, 5 minutos e 20 segundos.
Morreu porque o pai e a mãe dela - que eram, como sempre tinham sido, os melhores pais do mundo - se destituíram mutuamente de pais. E sem pai nem mãe a Piri morreu.
Mas não foi bem por isso que ela morreu. E nenhum deles sabe disso. Eles não sabem que a culpa não é deles, e a Piri não sabe que eles não sabem que a culpa não é deles. A Piri sabe, sempre soube, que a culpa era dela. Se tivesse sido uma boa filha, seguido à risca a educação que a mãe e o pai lhe haviam dado, a mãe e o pai nunca se tinham sequer lembrado de andar à bulha. E hoje seriam aquela eterna família feliz.
A Piri morreu e a culpa foi dela.
Morreu a 26 de Fevereiro de 2009, às 23 horas, 5 minutos e 20 segundos, e ainda hoje isso lhe dói.

sábado, maio 09, 2009

Pensar incomoda como andar à chuva...

É a felicidade de uma criança na feira popular pela primeira vez. É uma festa, é um instinto, um arrepio! É uma alegria, um doce que não apetece engolir, um suspiro de satisfação. É um prazer, um deleite, um mimo para a alma. É do mais humano que pode haver, porque sensorial e quase quase quase! palpável. É viver!, é sentir, é respirar! É cuspir esquilhões de bocadinhos de salsicha no meio de uma gargalhada. É sentir tudo devagarinho e com as pontas dos dedos, mas só depois de muito rápido e de se ter melgulhado completamente. É chorar, porque é emocionar-se, mais ou menos racionalmente.
Sou eu. E, por isso, um bocadinho de ti. (Como é que tu não percebes??!)
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O António um dia escreveu
Tudo é ilusão.
Sonhar é sabê-lo.
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Fique-se com esta.

sábado, maio 02, 2009

RTX 78/24

É uma peça estranha. É o apelo de Rómulo de Carvalho aos planos de paz verdadeiros. Sendo que a verdade é o que enobrece por oposição ao erro que é a discordância entre o pensamento e o objecto do pensamento. É o sonho de Antonio Gedeão personificado no menino António e na menina Georgina à procura da sociedade regida pelo amor em que os homens falam todos a mesma língua.
Mais que uma crítica social, é a apresentação da solução e uma proposta de novo início.
O Grupo de Teatro dos Assassinos da Arte de Representar está na Malaposta na quarta-feira que vem e os bilhetes reservam-se pelo telefone e são grátis. E o palco é nosso.

O sol é teu.

Faltas aqui. Mas como é bom sentir a tua falta!
Só sinto a tua falta aqui porque estás no meio de mim e eu sei que estás. Se não estivesses, nunca poderia sentir a tua falta e ser feliz com isso.

quinta-feira, abril 23, 2009

Hino à minha liberdade

Este foi o dia em que a máquina do hospital sorriu para mim.
Um hino.
À liberdade de olhar abertamente, como Sophia,
e de ver e conhecer por dentro, como Ana.
De subverter a minha própria sociedade organizada, como Gedeão,
e de ver uma infinidade de pontos, como Deus.
Um hino à liberdade de reconstruir sistematicamente
o meu próprio equilíbrio.

domingo, abril 19, 2009

Hoje está sol.

Hoje está sol. O céu é de um azul muito claro, e as monstruosas sombras dos prédios da minha rua descansam, deitadas no meio da estrada.
Mas ontem estava cinzento, e eu podia ver o fim da estrada em que conduzias a tentar agarrar a cor do céu para a poder guardar só para ele, podia esconder-me das casas e dos cafés atrás do nevoeiro, e brincar com a minha mente às escondidas até me perder de vista, sem que mais ninguém soubesse, ou quisesse saber, ou tivesse hipótese de querer saber.
Hoje está sol. (O sol é teu!) Eu não tenho saudades nenhumas do cinzento que me inunda e me faz respirar fundo e sentir que gosto de dias cinzentos, porque isso seria não poder ter um dia cinzento, e eu tenho. Eu tenho.
Tal como tenho tubos de tinta-da-china e muitas razões para pintar.
Hoje está sol, e é todo muito teu.

sábado, abril 18, 2009

Solidaried'Art

Hoje já começou. Começou sorrateiramente e até devagarinho, no meio da noite, no meio do frio, como quem não quer a coisa...vá, como se fosse natural ser-se um dia tão importante.
Pusemos neste dia as nossas maiores expectativas. O nosso trabalho, as nossas mãos, as nossas ideias, os nossos tinteiros, a nossa gasolina, a nossa imagem, o nosso tempo, tanto de nós.
Aqui está um apelo à bondade. Aqui está o sonho colectivo de uma vida melhor. Aqui está todo o nosso crédito na Humanidade. Aqui está um grupo, simples, jovem, que se julgava morto. Aqui estão as pessoas que ousam dar as mãos a outras mãos que mais precisam. Aqui estão os jovens que acreditam que é assim que se anda: ao colo de Deus pelo chão do mundo.
Sinto-me útil. Mais que isso: sinto-me viva.

terça-feira, abril 14, 2009

Fragilidade

Esse baxel, nas praias derrotado,

Foi nas ondas Narciso presumido;

Esse farol, nos céus, escurecido,

Foi do monte libré, gala do prado.

-

Esse nácar, em cinzas desatado,

Foi vistoso pavão de Abril florido;

Esse Estio em Vesúvios encendido

Foi Zéfiro suave, em doce agrado.

-

Se a nao, o Sol, a rosa, a Primavera,

Estrago, eclipse, cinza, ardor cruel

Sentem nos auges de um alento vago,

-

Olha, cego mortal, e considera

Que és rosa, Primavera, Sol, baxel,

Para ser cinza, eclipse, incêndio, estrago.

Francisco de Vasconcelos

-

Gostei tanto do poema...é tudo verdade! Sinto-o hoje na minha pele.

sexta-feira, abril 10, 2009

Fica comigo.

É aqui que tu aprendes a sofrer.
Só sofre bem quem ama bem, e só ama bem quem está comigo.
Também tu me abandonas. Também tu adormeces. E Eu agonizo no meio dos pecados de todo o mundo.
Tu preferes ir estar com os teus amigos porque aqui não há palavras de conforto, nem é divertido, nem os teus problemas têm qualquer importância. Aqui há dor e solidão, e tu enfraqueces. Mas não te lembras de que os meus amigos me negaram e me traíram. Não te lembras do quanto preciso de ti, que tu fiques, que tu ores, que tu vigies, que tu esperes, tu.
Pedes, pedes, pedes... Chegou a minha hora de pedir. Abandona-te a ti mesmo, então. Abandona todos os teus projectos e apaixona-te pelo futuro que sonhei para ti, só para ti. Presta atenção. Tudo suporta. Não cedas às tentações. Instruir-te-ei e porei em ti o poder de incendiar o mundo com o amor do meu Pai. Não é fácil. Ninguém disse que era fácil. Não vieste aqui espreguiçar-te! Lembra-te de mim. É assim que aprendes a sofrer bem.
Fica comigo.

sexta-feira, abril 03, 2009

O vento lá fora

Círculos. Tudo são círculos.
Tal como uma infinidade de p.o.n.t.o.s.
Pontos que são sombras
E sombras de sombras.
E a vida é bela, e x a c t a m e n t e assim.
E dói.
Por todos os pontos
onde era para doer
e ainda nalguns onde
não era suposto.
Mesmo assim ela é bela.
Não era bela
nem ela
se não fosse assim.
A cena é ir.
O vento está lá fora
(O vento é para os loucos.)
E há-de sempre estar
Serve para ser vivido
Serve para ser sentido
E depois para se fugir.
É por aqui?
Há-de ser, mais ou menos...
Porra, pah,
por quem sois...
Teremos sempre o mesmo sorriso
Novo na cara
De quem risca e arrisca.
De quem se afia e desafia
Para ir à luta com vontade.
O dia só acaba deste lado!
Somos loucos, não somos?
Minha Marta, se somos.

terça-feira, março 31, 2009

Ponta do Sal

O mundo, lá longe, nem se ouve.
Um sorriso que mais ninguém viu
O mar e os pássaros e musgo e flores entre as rochas e um peito cheio de ar
O sol salpica as ondas de mil reflexos que cabem todos num olhar.
A magia não se explica, emociona-nos!

sexta-feira, março 27, 2009

tela por pintar.

é a melhor parte do jogo.

a adivinha.

com a certeza de que a resposta está certa, sem batota, por pura certeza e puro mérito próprio.

sabes que sim.

ou pensas que sabes.

sabes que sabes.

sabes?

terça-feira, março 24, 2009

Outono

Uma vez um homem encontrou duas folhas e entrou em casa segurando-as com os braços esticados, dizendo aos pais que era uma árvore.
Ao que eles disseram então vai para o pátio e não cresças na sala pois as tuas raízes podem estragar a carpete.
Ele disse eu estava a brincar não sou uma árvore e deixou cair as folhas.
Mas os pais disseram olha é outono.
Edson Russell

quinta-feira, março 19, 2009

Graça.

Estava na minha nova cama. Aquela cama branca naquele lado do quarto naquele andar daquele hospital. Tinha os olhos fechados, estava muito cansada, e era véspera de uma cirurgia.

- Amanhã vai doer muito. Mas o mundo dói mais que um dreno.

E então senti alguém pôr o dedo na ponta do meu nariz, antes de o tentar achatar como se isso resolvesse o meu nariz empinado. E então soube.

Há no mundo Graça, verdadeira Graça. Afinal, o melhor que aprendi no hospital foi a respirar fundo...e recomeçar.

terça-feira, março 17, 2009

Inspirar, Suster, Mandar fora.

O mundo corre, lá fora. Com todo o seu esplendor.

O majestoso sol inunda as cortinas com toda a sua violência, dispensando apenas alguns minúsculos raios que escapam por entre a teia do tecido para vir lamber o chão, e depois os lençóis da minha cama.

E eu espero.

Primeiro pelo dia, que se adivinha no céu madrugador que se espraia acolá, depois pelo pequeno-almoço - sempre carcaça com doce e chá - trazido pela enfermeira loira que nunca disse o nome, depois pela mãe, que a todo o minuto "deve estar a chegar", depois pelo resto do dia, sempre igual, e depois a noite já chegou sem passar cavaco às tropas e não é preciso esperar por ela, só pelo sono que nunca chegou, nunca.

Primeiro a Elsa, com o seu analgésico sorriso de criança, por volta das seis. Depois o Délio, às 7h, e com um problema engraçadíssimo com o sol arrebatador que teima em entrar. O Hélder há-de vir todas as tardes. A Daniela, para responder a tudo e informar de tudo. O Dr. Pedro vem antes ou depois do Hélder, ou antes e depois do Hélder, ou sempre que lhe apetecer, com o sorriso - tão raro! - mais bonito deste hospital. E o Dr. Martelo, a ética e a dignidade, a falar baixinho para só eu ouvir, enquanto abre ou espreita ou desinfecta, ou as outras coisas todas que eu nunca quis ver.

Por todos eles eu espero. Por eles e por muitos outros não precisam que os nomeie aqui. Pessoas. Que esperam pela minha reacção, pela minha força, pela minha vontade de continuar, ou pela ausência da reacção, da força e da vontade. Mas esperam. Sempre com um sorriso.

"Sim, Ana, espera só um bocadinho."

Eu espero.

O dia arfa, lá fora. Com tudo o que era meu.

Eu espero.

quarta-feira, março 11, 2009

Intervalos

O sol espraiava-se no ar como se pudesse fazê-lo com naturalidade. O calor seduzia a pressa, e as nuvens fugiram, a brincar à apanhada, para a parte mais baixa da cidade. Nós? Nós roubámos o pio do mundo para voltarmos àquele jardim só nosso...
- Gostas de mim?
- Já me perguntaste isso no início da outra trança, mas sim, gosto.
- Mas quanto?
- Três tranças.
- Mas três tranças é pouco!
- Sim, mas se deixares, gosto de ti a cabeça toda!

E eu vim para casa com quatro tranças no alto da cabeça.

segunda-feira, março 09, 2009

Vénus

Olha bem à tua volta.
aqui mais homens que mulheres. Sabemos que são muito diferentes. Vêm de lugares diferentes, cresceram em sítios diferentes... Mas agora, não olhes para as profissões nem para as origens; olha para eles próprios. Continuam, obviamente, a ser eles próprios...mas vê como em tão pouco diferem uns dos outros.
Agora repara nas mulheres. Em como diferentes são. Em tudo. E as mães, e depois as filhas. Em como já as mães são diferentes e as filhas a anos-luz umas das outras.
Não é engraçado?
E pronto, é assim que nos divertimos, mãe e filha, em jantares com muita gente.

sexta-feira, março 06, 2009

Segundo Caifás

É do género: comecem.
Comecem que eu vou atrás.
Vou atrás das vossas falas, vou atrás de mais um espectáculo, vou atrás da Paixão de Cristo, vou atrás da Nova Evangelização. Vou atrás do pano, e até posso ir com sono, mas vou.
E cada vez está melhor. Porque é mais que representar, porque é mais que partir coisas, porque é mais que levar com luzes e microfones. O que ali fazemos supera qualquer dessas coisas. No entanto, é ir de encontro a uma simples pergunta: E se fosse eu: também gritaria Crucifica-o!?
Estreámos a 28 de Fevereiro com casa cheia. 1 de Março, idem aspas. Próxima paragem: Portimão.
E o espectáculo começa sempre (mas sempre) à hora marcada.

segunda-feira, março 02, 2009

Phi

É pedido um trabalho para o ano inteiro. Os temas podem ser tão simples como a influência das massas nas cabeças das pessoas, ou os direitos dos animais, ou a emancipação da mulher. Mas não. (Epah há pessoas que me irritam.) Não se contentam em ser como é suposto, tipo seguir as propostas dos professores e assim. Têm sempre, sempre de aspirar a mais. Ai ai que eu quero uma tema filosófico. E tumbas! - ora aí está um tema que não só dá o triplo do trabalho, como dá o triplo do trabalho.

E é assim que eu abraço uma dor de cabeça ou um escarafunchar por Kant, Nietzsche, Camus, Sartre e outros que tais.

segunda-feira, fevereiro 23, 2009

"Ora e vigia"

Chega um ponto em que há inequivocamente uma única resposta para tudo.

Porque o amor é o único que a tudo sobrevive.

Mais que a confiança, muito mais que a segurança ou a cumplicidade. Sobretudo, mais que a amizade.

A única coisa que dá verdadeira força e verdadeira razão.

A capacidade de dizer, mesmo no mais profundo silêncio, eu amo-te.

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

"Quem quiser vir após mim"...

É óbvio que nunca esperei que algum dia a vida fosse parar.

Isso é óbvio.

Mas só hoje é que percebi que não vai, nunca, de facto.

Não há um depois, nem sempre há. E eu não confio em mim para dizer nas férias trata-se disto ou daquilo. Não funciona.

Mas não vai parar. Independentemente de tudo. Não há cá cada caso é um caso nem vamos pensar no assunto. Não vai.

E há-de doer, sempre. Porque só assim é que dá.

E isto...foi isto que...vai fazer a diferença.

domingo, fevereiro 08, 2009

Hoje, especialmente hoje.

Terás sempre motivos para celebrar. Só o facto de teres vida dentro de ti deve ser um motivo de festa.

É forçoso admitir que há muita bosta por tudo quanto é sítio. As regras não são justas. E enquanto estivermos vivos não poderemos ser perfeitos, nem completos.

Mas a vida é um dom indiscutível, o maior dom de todos. É por isso que temos, por força, de perder os que amamos. É a única maneira de entender realmente a importância que têm. É aqui que a vida ganha toda a sua importância: na morte.

É por isto que tens de celebrar. Porque estás aqui, porque és uma pessoa, porque amas, porque és mais importante do que podemos discernir.

Parabéns, minha querida!

PS: Sabes, foi o primeiro ano em que faltei ao teu aniversário....but yet, acho que não faltei... :D

sábado, fevereiro 07, 2009

Para mim todos os dias são derrotas.

"Se vim ao mundo foi só para desflorar florestas virgens e desenhar os meus próprios pés na areia inexpugnada. O mais que faço não vale nada." Régio
Para quê tudo? Não sei. Mas acredito. O que interessa é ir. Ou ir indo. Sei que um dia vou perceber.

domingo, janeiro 18, 2009

Grey Days III

Dia cinzento é céu branco.
Dia cinzento é banco de jardim.
Dia cinzento é candeeiro alaranjado numa tarde crepuscular.
Dia cinzento é nariz frio, e vermelhinho.
Dia cinzento é um arrepio de felicidade.
Dia cinzento é uma poça no caminho.
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Dia cinzento é a ponte, o compasso de espera - tão necessário! - para as amendoeiras em flor.
Dia cinzento é o nevoeiro que nos restringe a nós, obrigando-nos a travar conhecimento com o espelho, e a construir com ele uma relação à flor da pele.
Dia cinzento é acordar com olhos de peluche para não magoar o sono, na manhã azul que se espreguiça lá fora.
Dia cinzento é tinta-da-china de sol.
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Estas nuvens espicaçam os meus nervos como um aguilhão. E o Inverno, esse invade-me. Como um conquistador.

segunda-feira, janeiro 12, 2009

Determinismo, um pormenor.

Podemos optar pelo que nos parece bom, quer dizer, conveniente para nós, frente ao que nos parece mau e inconveniente. E, como podemos inventar e escolher, podemos enganar-nos, que é uma coisa que não costuma acontecer a castores, abelhas e térmitas.
Savater, Ética para um jovem
Porque não estamos escritos. Não está lá, no nosso ADN, que temos de escolher este curso, nem que temos de dizer bom dia aos vizinhos no elevador, enquanto está no ADN dos cães atacar quando alguém se aproxima enquanto estão a comer, e no das térmitas-soldado ir combater e morrer pela colónia a que pertencem. No mínimo, não podemos negar a noção de responsabilidade ao fazermos uma escolha. Tudo o que fazemos pode estar determinado por tudo o que somos e toda a vida que temos para trás, mas eu teria sempre tido motivos, se quisesse, para escolher a outra via. Porque eu penso o que eu quero. Se eu quiser, escolho isto. Se não, não.
E é claro que falamos de duas hipóteses que me são completamente acessíveis, ou o meu discurso não faria sentido.
É isto que dói.
O peso da responsabilidade, da culpa. O saber que há escolha, que para além do mais é nossa.
Era tão mais fácil ser determinista...